É, creio que eu deveria estar aqui pra comentar sobre o novo
“Homem-Aranha” ou então sobre o novo
do Ridley Scott (que, em ordem cronológica, seria o “velho”, já que ele praticamente
“inaugura” a série “Alien” com esse “Prometheus”) ou ainda sobre as animações
de franquias já saturadérrimas (nada contra elas, diga-se), tipo “A Era do Gelo 4” e “Madagascar 3”, que seja. Ou, mais importante do que tudo isso,
deveria estar aqui analisando a nova investida do cineasta brasileiro Walter
Salles, na adaptação cinematográfica da melhor e mais importante obra literária
da geração Beat: “Na Estrada” (algo
que o próprio Jean-Luc Godard não conseguiu realizar).
Mas estou aqui pra
comentar sobre a figura (“figura” mesmo) que mais chamou a atenção do showbiz nos últimos anos: a Luiza no
Canadá os pôneis malditos da Nissan a molecada do “Pra Nossa
Alegria” Charlie Sheen.
Sim, Charlie Sheen que é o ator mais rock n’ roll das
últimas décadas.
Charlie Sheen que protagonizou o meu longa de guerra
favorito: “Platoon” (desculpe-me,
Martin Sheen, mas o seu excelente “Apocalipse
Now”, a meu ver, não bate o filme mais importante da carreira de seu
terceiro filho) e fez com toda a naturalidade do mundo um tipo amplamente
diferente do que ele é na vida real, caracterizando aqui um jovem idealista de
família economicamente bem sucedida, mas com total consciência social e repleto
de frases que escancaram a realidade da guerra (“___ Cá estou eu, com caras pobres naturais de cidadezinhas
desconhecidas com quem ninguém se preocupa e, posteriormente a essa guerra, se
tiverem sorte, conseguirão um emprego em uma fábrica”).
Charlie Sheen que voltou a trabalhar com Oliver Stone no
segundo maior sucesso do cineasta, o clássico máximo sobre a sujeira por trás
das bolsas de valores: “Wall Street”,
onde, mesmo ao lado de estrelas como Michael Douglas e de seu próprio pai,
Martin, marca presença total e esbanja carisma e confiança em sua própria
atuação, entregando-nos um personagem ambicioso e determinado, capaz de, caso
arriscasse, vender areia branca na mais nobre praia de Saint-Tropez.
Charlie Sheen que, após uma briga (pra variar, mas aqui, a
culpa não foi dele) com Oliver Stone, durante as filmagens de “Nascido em 4 de Julho”, entrou de cabeça
no estilo de vida que viria a “consagrá-lo” e passou a se envolver mais com obras
de comédia, como o besteirol divertido “Top
Gang” (uma das poucas séries do gênero, ao lado de “Porky’s”, que eu gosto), chegando posteriormente a substituir o
ícone oitentista Michael J. “Marty McFly” Fox, na série de TV bem sucedida: “Spin City” e a realizar uma participação
especial na segunda sitcom mais
aclamada de todos os tempos: “Friends”.
Charlie Sheen que, ao longo de oito anos, emprestou muito de
sua vida invejada por todos desregrada pra compor um personagem que era
a sua imagem e semelhança, porém menos bad
ass: Charlie Harper. Charlie Harper que, por sinal, era aquilo que todo o
homem pós-moderno (incluindo o próprio Charlie Sheen) gostaria de ser e que
toda a mulher finge (e tem as que nem ao menos fingem) que não gostaria que
fôssemos.
Charlie Sheen que... enfim... chega de procrastinar...
Falemos da nova série estrelada pelo eterno Charlie Sheen e,
convenhamos, falar de uma série estrelada pelo filho de Martin Sheen e irmão de
Emilio Estevez é, praticamente, falar do próprio astro em si.
Sabemos que o ator e o produtor da ótima “Two and a Half Men” (ou melhor, ótima
até outrora, porque deu umas belas derrapadas na sétima (2009/2010) e na nona
temporada (2011/2012) que, sim, começou bem com Ashton Kutcher e tudo mais, mas
errou a mão com o desenrolar de alguns episódios), Chuck Lorre, tiveram um
baita desentendimento que resultou numa das maiores batalhas de ego da história
da televisão estadunidense e isso terminou com a demissão do primeiro pelo
segundo.
Sabemos também que, após tudo isso, saiu uma notícia de que Charlie
Sheen voltaria a interpretar ele mesmo em uma nova série da FX e, por fim, isso
nos leva até o ponto onde eu gostaria de começar este texto: no primeiro
episódio de “Anger Management”, que
já tem início com uma tomada em primeiro plano no rosto do “novo” Charlie (sim,
aqui ele também se chama Charlie, característica herdada do Cinema Neo-Realista
Italiano) supostamente socando e injuriando Chuck Lorre por tê-lo demitido e
contratado outro “cara” em seu lugar.
Aí acaba a metáfora (que não é metáfora) nada sutil, o
diretor Andy Cadiff abre um plano geral e nos exibe a casa de praia de Charlie
Harper, em Malibu, e... peraí, não, não é nada disso. Não é a casa de Charlie
Harper e sequer é em Malibu ou em Santa Monica ou em Venice Beach. Não
chega sequer a ser na praia do José Menino, em Santos (sem denegri-la, pois
acho que tem uma orla excepcional, em especial à noite). Bom, não é a clássica
casa de Charlie, em Malibu, mas que parece super, ah parece, e isso, nem de
longe, é mera verossimilhança.
Tampouco é mera verossimilhança a ex-esposa de Charlie (do
“novo” Charlie: o Goodsman, não o Harper, que era um ícone entre nós,
solteirões), Jennifer, morar em uma casa semelhante à de Judith, ex-esposa de
Alan Harper, irmão do ex-protagonista de “Two
and a Half Men” e... pronto! Tá feito o plágio em forma de rocambole. O
personagem de Sheen, em “Anger Management”,
é, enfim, um Charlie Harper arrependido que aspira a se tornar uma espécie de
Alan Harper, só que menos loser.
Trata-se de uma figura que aprontou de tudo e mais um pouco,
e agora bateu nele aquela crise de penitência em que deseja ficar numa boa com
a ex-mulher e manter o amor da filha. Lembraram-se do Alan da primeira
temporada de “Two and a Half Men”
(exceto por “aprontou de tudo”, já que Alan era mais travado que nerd em festa do cabide)? Pois é, mas as
semelhanças com a série da Warner não terminam aí, de forma alguma.
No desenrolar dos três episódios iniciais, percebemos que
Charlie Goodsman (que, pra completar a falta de sutileza, tem “bom homem” até
no sobrenome) é mulherengo e, na maioria das vezes, sai com mulheres
superficiais. Constatamos também que o protagonista tem uma perseguidora que se
mostra resultado de uma única noite de farra dele (mas essa personagem,
aparentemente, foi utilizada a curto prazo, ou seja, não será uma nova Rose, ao
que tudo indica) e, pasmem, até mesmo aquela “brincadeirinha” entre Jake e
Charlie, de fazer com que o segundo deixasse um dólar no jarro cada vez que
falasse uma palavra de baixo calão, é repetida aqui, com a diferença de que o
sujeito passivo da vez é um dos pacientes do terapeuta-protagonista (e não, não
há como imaginarmos Charlie Sheen na pele de um terapeuta... já na pele de um
compositor de jingles boa vida, aí é
outros quinhentos).
Falando nos pacientes do Charlie, o que dizer deles? TODOS,
sem exceção, seguem estereótipos. Começando pelo ex-militar homofóbico ‘fascistóide’,
passando pelo homossexual que parece precisar anunciar a sua orientação sexual
com um megafone em praça pública e terminando com a patricinha mimada e
possessiva que tem os chiliques mais artificiais já vistos na TV estadunidense
em muito tempo. O quê? Ah, como pude esquecer? Temos também o taradão que tem
uma queda por garotas emocionalmente desequilibradas, que parece estar ali
somente para sofrer com os foras e respostas grosseiras da patricinha acima
citada. Aliás, o que diabos Nolan faz ali naquele grupo? Só se eu entendi
errado, mas não me lembro de, em momento algum, ser citado que o paciente sofre
de ataques de raiva, logo, por que cargas d’água ele integraria um grupo que
visa especificamente tratar desse tipo de distúrbio psíquico?
Respostas a perguntas como esta, a propósito, parecem passar
muito além do real escopo dos produtores, que desejam claramente sugar a última
gota rendida pelo way of life de
Sheen fora dos quadros. O problema é que, francamente, a história de um ator
milionário, com ego inflado e que, no atual momento, corre atrás de consertar as
asneiras que quase arruinou a sua carreira e o manteve afastado da esposa e dos
filhos, está mais para um drama existencial do que para uma sitcom.
Não que a vida conturbada de Sheen não possa mais render alguns
bons momentos cômicos, é claro que pode. Entretanto, torna-se visível que raramente
veremos algo que chegue aos pés, por exemplo, da quinta (e melhor, levando
pouca vantagem sobre a primeira e a segunda, a meu ver) temporada de “Two and a Half Men”.
A diferença
principal entre uma série e outra, contudo, reside na falta de coadjuvantes de
peso (sem trocadilhos, mas a doméstica Berta é o modelo nato do que estou
querendo dizer com “coadjuvantes de peso”) ou de uma espécie de antagonista
(que não é antagonista, se é que me entendem) à lá Alan Harper que, ao sempre
questionar o estilo de vida vazio e fútil do irmão, servia como trampolim para
que este mergulhasse em sua piscina de sarcasmos e deixasse respingar o humor
mais ácido que se possa imaginar no hilário, pragmático e neurótico personagem
de Jon Cryer.
O que sobra aqui, enfim, é: a ex-esposa Jennifer –
enfraquecida pela falta de energia e de timming
cômico de Shawnee Smith – que se limita
a tentar expor o ex-marido a situações desconfortáveis, mas pouco
surpreendentes e engraçadas; a filha Sam, que parece ser interessante ao se
mostrar portadora de transtorno obsessivo compulsivo, mas que ainda não foi suficientemente
bem abordada pelo roteiro (e a atriz Daniela Bobadilla faz o que pode na
pele de sua Sam, mas, conforme dito há pouco, sofre com a abordagem rasa do
roteiro); e Kate, a terapeuta e “amiga” (amiga whit benefits, como eles dizem por aquelas bandas) de Charlie, que,
ao contrário de Jennifer, conta com uma incorporação mais enérgica e inspirada
da lindona Selma Blair, mas que (adivinhem...) acaba não sendo desenvolvida de
modo satisfatório pelo script, que
cria poucos momentos realmente engraçados entre ela e Charlie, como quando o
último, após uma sessão terapêutica com a primeira, inverte os papéis logo em
seguida com o intento de descolar uma transa com esta (um dos poucos momentos
dentre os três episódios que nos faz lembrar do bom e velho e tarado e astuto e
malandro Charlie Harper que, se cito aqui neste texto pela septuagésima nona
vez é porque a própria “Anger Management”
parece ter uma dificuldade fora do comum em se desvencilhar de “Two and a Half Men”).
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