segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sobre Charlie Sheen, Charlie Harper, Charlie Sheen, Charlie Goodsman, Charlie Sheen e a nova série… do Charlie Sheen por Daniel Esteves Barros




É, creio que eu deveria estar aqui pra comentar sobre o novo “Homem-Aranha” ou então sobre o novo do Ridley Scott (que, em ordem cronológica, seria o “velho”, já que ele praticamente “inaugura” a série “Alien” com esse “Prometheus”) ou ainda sobre as animações de franquias já saturadérrimas (nada contra elas, diga-se), tipo “A Era do Gelo 4” e “Madagascar 3”, que seja. Ou, mais importante do que tudo isso, deveria estar aqui analisando a nova investida do cineasta brasileiro Walter Salles, na adaptação cinematográfica da melhor e mais importante obra literária da geração Beat: “Na Estrada” (algo que o próprio Jean-Luc Godard não conseguiu realizar). 




Mas estou aqui pra comentar sobre a figura (“figura” mesmo) que mais chamou a atenção do showbiz nos últimos anos: a Luiza no Canadá os pôneis malditos da Nissan a molecada do “Pra Nossa Alegria” Charlie Sheen.

Sim, Charlie Sheen que é o ator mais rock n’ roll das últimas décadas.



Charlie Sheen que protagonizou o meu longa de guerra favorito: “Platoon” (desculpe-me, Martin Sheen, mas o seu excelente “Apocalipse Now”, a meu ver, não bate o filme mais importante da carreira de seu terceiro filho) e fez com toda a naturalidade do mundo um tipo amplamente diferente do que ele é na vida real, caracterizando aqui um jovem idealista de família economicamente bem sucedida, mas com total consciência social e repleto de frases que escancaram a realidade da guerra (“___ Cá estou eu, com caras pobres naturais de cidadezinhas desconhecidas com quem ninguém se preocupa e, posteriormente a essa guerra, se tiverem sorte, conseguirão um emprego em uma fábrica”).



Charlie Sheen que voltou a trabalhar com Oliver Stone no segundo maior sucesso do cineasta, o clássico máximo sobre a sujeira por trás das bolsas de valores: “Wall Street”, onde, mesmo ao lado de estrelas como Michael Douglas e de seu próprio pai, Martin, marca presença total e esbanja carisma e confiança em sua própria atuação, entregando-nos um personagem ambicioso e determinado, capaz de, caso arriscasse, vender areia branca na mais nobre praia de Saint-Tropez.



Charlie Sheen que, após uma briga (pra variar, mas aqui, a culpa não foi dele) com Oliver Stone, durante as filmagens de “Nascido em 4 de Julho”, entrou de cabeça no estilo de vida que viria a “consagrá-lo” e passou a se envolver mais com obras de comédia, como o besteirol divertido “Top Gang” (uma das poucas séries do gênero, ao lado de “Porky’s”, que eu gosto), chegando posteriormente a substituir o ícone oitentista Michael J. “Marty McFly” Fox, na série de TV bem sucedida: “Spin City” e a realizar uma participação especial na segunda sitcom mais aclamada de todos os tempos: “Friends”.



Charlie Sheen que, ao longo de oito anos, emprestou muito de sua vida invejada por todos desregrada pra compor um personagem que era a sua imagem e semelhança, porém menos bad ass: Charlie Harper. Charlie Harper que, por sinal, era aquilo que todo o homem pós-moderno (incluindo o próprio Charlie Sheen) gostaria de ser e que toda a mulher finge (e tem as que nem ao menos fingem) que não gostaria que fôssemos.

Charlie Sheen que... enfim... chega de procrastinar...

Falemos da nova série estrelada pelo eterno Charlie Sheen e, convenhamos, falar de uma série estrelada pelo filho de Martin Sheen e irmão de Emilio Estevez é, praticamente, falar do próprio astro em si.



Sabemos que o ator e o produtor da ótima “Two and a Half Men” (ou melhor, ótima até outrora, porque deu umas belas derrapadas na sétima (2009/2010) e na nona temporada (2011/2012) que, sim, começou bem com Ashton Kutcher e tudo mais, mas errou a mão com o desenrolar de alguns episódios), Chuck Lorre, tiveram um baita desentendimento que resultou numa das maiores batalhas de ego da história da televisão estadunidense e isso terminou com a demissão do primeiro pelo segundo. 

Sabemos também que, após tudo isso, saiu uma notícia de que Charlie Sheen voltaria a interpretar ele mesmo em uma nova série da FX e, por fim, isso nos leva até o ponto onde eu gostaria de começar este texto: no primeiro episódio de “Anger Management”, que já tem início com uma tomada em primeiro plano no rosto do “novo” Charlie (sim, aqui ele também se chama Charlie, característica herdada do Cinema Neo-Realista Italiano) supostamente socando e injuriando Chuck Lorre por tê-lo demitido e contratado outro “cara” em seu lugar.



Aí acaba a metáfora (que não é metáfora) nada sutil, o diretor Andy Cadiff abre um plano geral e nos exibe a casa de praia de Charlie Harper, em Malibu, e... peraí, não, não é nada disso. Não é a casa de Charlie Harper e sequer é em Malibu ou em Santa Monica ou em Venice Beach. Não chega sequer a ser na praia do José Menino, em Santos (sem denegri-la, pois acho que tem uma orla excepcional, em especial à noite). Bom, não é a clássica casa de Charlie, em Malibu, mas que parece super, ah parece, e isso, nem de longe, é mera verossimilhança.

Tampouco é mera verossimilhança a ex-esposa de Charlie (do “novo” Charlie: o Goodsman, não o Harper, que era um ícone entre nós, solteirões), Jennifer, morar em uma casa semelhante à de Judith, ex-esposa de Alan Harper, irmão do ex-protagonista de “Two and a Half Men” e... pronto! Tá feito o plágio em forma de rocambole. O personagem de Sheen, em “Anger Management”, é, enfim, um Charlie Harper arrependido que aspira a se tornar uma espécie de Alan Harper, só que menos loser.



Trata-se de uma figura que aprontou de tudo e mais um pouco, e agora bateu nele aquela crise de penitência em que deseja ficar numa boa com a ex-mulher e manter o amor da filha. Lembraram-se do Alan da primeira temporada de “Two and a Half Men” (exceto por “aprontou de tudo”, já que Alan era mais travado que nerd em festa do cabide)? Pois é, mas as semelhanças com a série da Warner não terminam aí, de forma alguma.

No desenrolar dos três episódios iniciais, percebemos que Charlie Goodsman (que, pra completar a falta de sutileza, tem “bom homem” até no sobrenome) é mulherengo e, na maioria das vezes, sai com mulheres superficiais. Constatamos também que o protagonista tem uma perseguidora que se mostra resultado de uma única noite de farra dele (mas essa personagem, aparentemente, foi utilizada a curto prazo, ou seja, não será uma nova Rose, ao que tudo indica) e, pasmem, até mesmo aquela “brincadeirinha” entre Jake e Charlie, de fazer com que o segundo deixasse um dólar no jarro cada vez que falasse uma palavra de baixo calão, é repetida aqui, com a diferença de que o sujeito passivo da vez é um dos pacientes do terapeuta-protagonista (e não, não há como imaginarmos Charlie Sheen na pele de um terapeuta... já na pele de um compositor de jingles boa vida, aí é outros quinhentos).




Falando nos pacientes do Charlie, o que dizer deles? TODOS, sem exceção, seguem estereótipos. Começando pelo ex-militar homofóbico ‘fascistóide’, passando pelo homossexual que parece precisar anunciar a sua orientação sexual com um megafone em praça pública e terminando com a patricinha mimada e possessiva que tem os chiliques mais artificiais já vistos na TV estadunidense em muito tempo. O quê? Ah, como pude esquecer? Temos também o taradão que tem uma queda por garotas emocionalmente desequilibradas, que parece estar ali somente para sofrer com os foras e respostas grosseiras da patricinha acima citada. Aliás, o que diabos Nolan faz ali naquele grupo? Só se eu entendi errado, mas não me lembro de, em momento algum, ser citado que o paciente sofre de ataques de raiva, logo, por que cargas d’água ele integraria um grupo que visa especificamente tratar desse tipo de distúrbio psíquico?



Respostas a perguntas como esta, a propósito, parecem passar muito além do real escopo dos produtores, que desejam claramente sugar a última gota rendida pelo way of life de Sheen fora dos quadros. O problema é que, francamente, a história de um ator milionário, com ego inflado e que, no atual momento, corre atrás de consertar as asneiras que quase arruinou a sua carreira e o manteve afastado da esposa e dos filhos, está mais para um drama existencial do que para uma sitcom.

Não que a vida conturbada de Sheen não possa mais render alguns bons momentos cômicos, é claro que pode. Entretanto, torna-se visível que raramente veremos algo que chegue aos pés, por exemplo, da quinta (e melhor, levando pouca vantagem sobre a primeira e a segunda, a meu ver) temporada de “Two and a Half Men”. 




A diferença principal entre uma série e outra, contudo, reside na falta de coadjuvantes de peso (sem trocadilhos, mas a doméstica Berta é o modelo nato do que estou querendo dizer com “coadjuvantes de peso”) ou de uma espécie de antagonista (que não é antagonista, se é que me entendem) à lá Alan Harper que, ao sempre questionar o estilo de vida vazio e fútil do irmão, servia como trampolim para que este mergulhasse em sua piscina de sarcasmos e deixasse respingar o humor mais ácido que se possa imaginar no hilário, pragmático e neurótico personagem de Jon Cryer.

O que sobra aqui, enfim, é: a ex-esposa Jennifer – enfraquecida pela falta de energia e de timming cômico de Shawnee Smith – que se limita a tentar expor o ex-marido a situações desconfortáveis, mas pouco surpreendentes e engraçadas; a filha Sam, que parece ser interessante ao se mostrar portadora de transtorno obsessivo compulsivo, mas que ainda não foi suficientemente bem abordada pelo roteiro (e a atriz Daniela Bobadilla faz o que pode na pele de sua Sam, mas, conforme dito há pouco, sofre com a abordagem rasa do roteiro); e Kate, a terapeuta e “amiga” (amiga whit benefits, como eles dizem por aquelas bandas) de Charlie, que, ao contrário de Jennifer, conta com uma incorporação mais enérgica e inspirada da lindona Selma Blair, mas que (adivinhem...) acaba não sendo desenvolvida de modo satisfatório pelo script, que cria poucos momentos realmente engraçados entre ela e Charlie, como quando o último, após uma sessão terapêutica com a primeira, inverte os papéis logo em seguida com o intento de descolar uma transa com esta (um dos poucos momentos dentre os três episódios que nos faz lembrar do bom e velho e tarado e astuto e malandro Charlie Harper que, se cito aqui neste texto pela septuagésima nona vez é porque a própria “Anger Management” parece ter uma dificuldade fora do comum em se desvencilhar de “Two and a Half Men”).



O bom é que Charlie Sheen é, para todos os efeitos, sempre Charlie Sheen e, com ele, independentemente da qualidade, ou da falta de qualidade de determinada série, teremos frequentemente uma figura muito bem interpretada, carismática, com uma excelente noção de “tempo de comédia” e, o que é melhor, com total naturalidade em seu estilo de vida conflitante de ser. Estilo de vida este que, repito, funcionaria melhor atualmente em um drama existencial do que em uma comédia de situações, mas não há como negar que é sempre bom vê-lo atuando, ainda que seja numa das piores porcarias dentre as quais se meteu nos últimos anos.


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